sexta-feira, 16 de março de 2012

AS REAÇÕES DO CORPO ANTES, DURANTE E DEPOIS DO USO DE DROGAS.

Hidis Helena

Introdução

Se no passado a droga estava extremamente ligada à concepção de algo mágico, religioso e médico, atualmente, devido aos excessos consumistas e mercantilistas da sociedade moderna, a droga passou a ser vista como ilegal e imoral.
Bem antes da era cristã, os gregos tratavam com esmero, através de escritores como Esquilo e Sófocles, o sofrimento humano e suas tragédias, ao mesmo tempo em que denunciavam os problemas políticos e sociais da época.
Na idade Medieval havia a ‘cultura da tortura’, onde o sofrer vinha adquirir conotação positiva, por exemplo, nas torturas e execuções públicas.
Em meados de 1973 havia nas universidades brasileiras um certo discurso e prática liberal na questão do uso da maconha, quando essas tiveram os seus centros acadêmicos desativados por força da repressão política. Outros exemplos reforçam a importância dos aspectos político-sociais, como nos Estados Unidos, que durante a guerra do Vietnã deu margem ao incremento consumo de drogas, entre adolescentes. No Líbano, antes da degeneração política e social causada pela guerra, houve denúncias da liberação de drogas como amortecedor à sociedade desfalcada de seus valores vitais.
Considerando o cérebro como milagre da evolução, uma cidade em movimento, tendo como base os neurônios e que fora pensado seu funcionamento inicial por Aristóteles. E atentando que o cérebro é onde ocorre mais gasto de energia para funcionar do que em qualquer outro órgão.
Pensando nisto, realizamos um breve estudo que intitula este artigo: “As reações do corpo antes, durante e depois do consumo de drogas”. Avaliando o sentido da dor para proporcionar prazer ilimitado, até atentando contra a vida. E indagando-nos: Como pode o corpo suportar tanto sofrimento em busca do prazer? Será que a cultura dos tempos medievais estão incorporadas até hoje? Existe mesmo um ódio ao corpo? Enfim, não defendemos a idéia de liberação do consumo de drogas e nem a dicotomia se é bom ou mau ao corpo. No entanto, nada nos impede de analisarmos a questão da droga sob prismas em que pensam as sociedades mais avançadas. A comunidade acadêmica tem o seu dever de oferecer elementos científicos e assim, influir e contribuir para com a sociedade em geral.
Utilizando-se da pesquisa bibliográfica e entrevista semi-estruturada com um ex - dependente químico, iremos delinear nosso texto.

O Corpo

Antes de adentrarmos nas reações do corpo, faz-se necessário uma breve explanação sobre o corpo. Corpo este que de acordo com o autor Battista Modin é distinto em dois elementos: psíquico (alma) e somático (corpo), utilizando a expressão “homo somaticus”; identificando assim a dimensão corpórea do homem.
O corpo é indispensável para possuir a existência, é dotado de um poder de desenvolvimento maravilhoso, pois complementa Modin (1980: 30) “O homem não só é senhor de seu corpo, como também graças a ele torna-se senhor do mundo”.
O corpo é elemento essencial do homem, pois dele serve-se para alimentar-se, reproduzir-se, aprender, comunicar, divertir-se. Pois, é a partir do corpo que o homem é um ser social, é um ser no mundo. Nosso corpo é diretamente envolvido nas boas e más ações, seja nos vícios ou virtudes.
Marcel Mauss (1974) entendia o corpo como primeiro e natural instrumento que se relacionava com os símbolos morais e intelectuais. E conceituou técnicas corporais das maneiras como os homens se servem de seus corpos.
Foi preciso o aparecimento do dualismo cartesiano para surgir a distinção de corpo e alma, o corpo como cadáver e Descartes explícita: “ o corpo não é senão aquilo que sobra da vida de uma alma”. A partir desta afirmação há a redução do corpo a uma coisa, uma máquina, com leis mecânicas calculáveis.
Sendo o corpo pensado como matéria indiferente, suporte da pessoa, na qual a identidade pessoal se dilui. Aparecendo assim como acessório da pessoa, criando uma identidade provisória, identidade esta que com uso de drogas se faz ausente e por muitas vezes transformada. E Le Breton (2003) conclui: “Mudando o corpo, pretende-se mudar a vida”.

Mecanismo geral da dependência

Existe no cérebro, uma área responsável pelo prazer. O prazer, que sentimos ao comer, fazer sexo ou ao expor o corpo ao calor do sol, é integrado numa área cerebral chamada sistema de recompensa. Esse sistema foi relevante para a sobrevivência da espécie. Quando os animais sentiam prazer na atividade sexual, a tendência era repeti-la. Estar abrigado do frio não só dava prazer, mas também protegia a espécie. Desse modo, evolutivamente, criamos essa área de recompensa e é nela que a ação química de diversas drogas interfere. Apesar de cada uma possuir mecanismo de ação e efeitos diferentes, a proposta final é a mesma, não importa se tenha vindo do cigarro, álcool, maconha, cocaína ou heroína. Por isso, só produzem dependência as drogas que de algum modo atuam nessa área. O LSD, por exemplo, embora tenha uma ação perturbadora no sistema nervoso central e altere a forma como a pessoa vê, ouve e sente, não dá prazer e, portanto, não cria dependência. Vários são os motivos que levam à dependência química, mas o final é sempre o mesmo. De alguma maneira, as drogas pervertem o sistema de recompensa. A pessoa passa a dar-lhes preferência quase absoluta, mesmo que isso atrapalhe todo o resto em sua vida. Para quem está de fora fica difícil entender por que o usuário de cocaína ou de crack, com a saúde deteriorada, não abandona a droga. Tal comportamento reflete uma disfunção do cérebro. A atenção do dependente se volta para o prazer imediato propiciado pelo uso da droga, fazendo com que percam significado todas as outras fontes de prazer.

Dependência química

As drogas acionam o sistema de recompensa do cérebro, uma área encarregada de receber estímulos de prazer e transmitir essa sensação para o corpo todo. Isso vale para todos os tipos de prazer - temperatura agradável, emoção gratificante, alimentação, sexo - e desempenha função importante para a preservação da espécie. Evolutivamente o homem criou essa área de recompensa e é nesta que as drogas interferem. Por uma espécie de curto circuito, elas provocam uma ilusão química de prazer que induz a pessoa a repetir seu uso compulsivamente. Com a repetição do consumo, perdem o significado todas as fontes naturais de prazer e só interessa o prazer imediato propiciado pela droga, mesmo que isso comprometa e ameace sua vida.
Segundo Olievenstein (1970) os “tóxicos” ou as “drogas” são substâncias que visam tanto à negação dos sofrimentos como a busca de prazeres. “Trata-se, pois, de uma situação psicoafetiva estruturando-se para encontrar um estado almejado que deve funcionar como euforizante das satisfações que o indivíduo não encontra na vida cotidiana”. Na verdade, o dependente está doente. Seu cérebro está doente, pois o seu equilíbrio biológico foi afetado, com a sensação de que não existe outro prazer além da droga.

O Antes, Durante e Depois...

“... antes é a necessidade de querer logo, o organismo pedindo. O antes dá ansiedade, gera a ansiedade (...) o durante é o prazer e o depois é o querer mais, sempre mais. Enquanto eu tô usando já é pensando em comprar mais. Todas as drogas são assim (...) acabou você quer mais... [sic]”. (Ex-dependente químico em entrevista – 20 de agosto de 2005)

A busca do prazer é uma característica positiva do ser humano. No caso das drogas, porém, ao querer superar a própria biologia por um artifício grosseiro, ele acaba se empobrecendo. O desejo de intensificar o prazer ao máximo empurra o homem para uma guerra que poderá, com muito custo, ser vencida.
Ficar longe da droga, quando se está disposto a abandoná-la, faz parte do processo de aprendizado. No exato instante em que a pessoa vê a cocaína, seu cérebro começa a preparar-se para recebê-la e dispara um mecanismo que chamamos de craving ou fissura. Isso vale para qualquer droga. Depois que ficou dependente, é quase impossível alguém ver a droga e resistir ao desejo de usá-la.
O mecanismo de recompensa cerebral é importante para a preservação da espécie e ninguém é contra o prazer. Ao contrário, deveríamos estimular o surgimento de inúmeras fontes de prazer. A dependência química, entretanto, cria uma ilusão de prazer que acaba perturbando outros mecanismos cerebrais. Se fumando um baseado a pessoa relaxa, findo o efeito, a ansiedade ganha força, pois a síndrome de abstinência é imediata. É o chamado efeito rebote.
A cocaína age de forma diferente. O efeito rebote está na impossibilidade de sentir prazer sem a droga. Passada a excitação que ela provoca a pessoa não volta ao normal. Fica deprimida, desanimada. Tudo perde a graça. Como só sente prazer sob a ação da droga, torna-se um usuário crônico. Às vezes, tenta suspender o uso e reassumir as atividades normais, mas nada lhe dá prazer. Parece que, por vingança divina, o cérebro perdeu a capacidade de experimentar outras fontes que não a desse prazer artificial que a droga proporciona. Essa é uma das tragédias a que se expõem os dependentes químicos.

“... o corpo pedindo e num chega, aí gera [um mal-estar] (...) você tosse querendo provocar (...) A agressão contra o meu corpo era usar... [sic]”. Esta era, afirma o entrevistado, a reação do corpo ao ficar na espera por mais consumo de droga. E complementa que no processo de reabilitação, quando a pessoa pára de usar droga, é fundamental ajudá-la a reencontrar fontes de prazer independentes da substância química. Pois, segundo o entrevistado (ex-dependente químico) a luta dele contra o próprio corpo, passou por diversos estágios como: dores de barriga, tremores, vômitos, porres com álcool até por tentativa de suicídio para poder retomar o controle sobre seu organismo, seu corpo. Sente que ficou seqüelas, mas prefere não pensar no assunto.
Segue abaixo uma relação das drogas mais usadas e respectivas reações:
1. Cocaína - Provoca excitação psíquica, e o usuário tem a sensação de que é forte, poderoso, invulnerável, influente e importante, de que pode tudo. Depois de algum tempo de uso, começa a achar que está sendo perseguido e espionado. A cocaína é um poderoso psico-estimulante. Provoca insônia, excitação psico motora constante, acentuada perda de autocrítica e agressividade. Quando injetada ou fumada, as conseqüências psicológicas são mais acentuadas. A cocaína é uma substância vaso constritora e, freqüentemente, causa problemas arteriais e venosos, como tromboses. O mais comum é a necrose de tecidos do septo nasal e do palato, devido a vaso constrição local, formando uma cavidade única no nariz. Às vezes, nariz e boca formam uma só cavidade. A overdose provoca convulsões, coma e morte.
2. Crack - Por atingir o cérebro em questão de segundos, provoca as alterações bioquímicas e os efeitos da cocaína mais rapidamente. O nome "crack" surgiu do som que é produzido quando a pedra de coca está sendo queimada. A cocaína fumável surgiu na Colômbia, no final da década de 70, quando os usuários começaram a fumar o bazuco, isto é, os restos do refino, que contêm substâncias corrosivas, como ácido sulfúrico e acetona. Depois, a pasta de cocaína começou ser fumada misturada com maconha, nos EUA e na Amazônia. Mais tarde começaram a produzir as pedras de crack, um precipitado de cocaína com bicarbonato aquecido em água. A droga é introduzida no organismo através da absorção em toda a mucosa respiratória, fumada com tabaco ou cachimbos improvisados com caneta esferográfica, embalagens de produtos alimentícios, isqueiros de plástico, etc. Ao se fumar uma pedra de crack, a cocaína se volatiliza e entra no organismo sob a forma de vapor, ganhando a circulação sangüínea. Quando a cocaína é introduzida no organismo através da mucosa do nariz, sua absorção se faz por uma superfície de 2 ou 3 centímetros quadrados. Sendo a mucosa do aparelho respiratório muito mais extensa que a mucosa nasal, a absorção é muito rápida e uma grande quantidade de droga atinge o cérebro em questão de segundos, como ocorre no uso por injeção endovenosa, e o usuário fica dependente mais rapidamente. Além disso, são mais freqüentes as overdoses. A cocaína fumada, o crack, assim como a injetada, é muito mais potente que a cocaína aspirada, atingindo o máximo em 15 segundos, enquanto a aspirada leva cerca de 15 minutos, além de desaparecer mais rápido, deixando uma forte vontade de usar mais, fazendo com que uma pessoa fique até vários dias seguidos usando a droga. O crack provoca os mesmos danos que a cocaína aspirada, porém, devido ao seu avassalador poder desestruturador da personalidade, age em prazo muito curto e em maior intensidade. Insônia, agitação psicomotora, agressividade, emagrecimento, perda da autocrítica e da moral, dificuldades para estabelecer relações afetivas, psicoses, comportamento excessivamente anti-social marginalidade e prostituição e lesões do trato respiratório.
3. Maconha – Tem efeito relaxante, causando uma sensação de liberdade total. Provoca uma sensação de falsa sabedoria, dando a impressão de que só o usuário e sua turma sabem sobre todas as coisas do mundo. Pode gerar euforia e hilaridade, fazendo com que se ache qualquer coisa engraçada e além de perda do sentido de tempo, despersonalização e pânico. (OMS, 1997). Estudos em animais mostraram alterações morfológicas nas sinapses, além de perda neuronal no hipocampo. É a droga mais desmotivante que existe, e o usuário não consegue assistir às aulas, trabalhar ou levantar da cama, ficando "desencanado". Provoca um déficit na atenção auditiva, isto é, tem-se a impressão de que o usuário ouve, mas não ouve. Comprometem as funções necessárias ao aprendizado, como a percepção, memória, atenção, capacidade de concentração e os processos associativos, com danos sutis à organização e integração de informação complexa. Pode provocar surtos psicóticos e aumento do risco de acidentes. Também provoca diminuição do apetite sexual (que às vezes é substituído pela droga sem que o usuário perceba) e esterilidade temporária. Danos na traquéia e brônquios.
4. Moderadores de apetite - Além do emagrecimento que já é esperado, os usuários têm sensações semelhantes às provocadas pela cocaína: excitação psíquica, euforia, insônia e coragem para enfrentar os obstáculos. Os usuários podem apresentar inquietação, surtos de depressão, angústia e psicoses. Aceleração persistente dos batimentos cardíacos e aumento do volume do coração.
5. Solventes e Inalantes (loló, lança-perfume) - O usuário sente euforia em cerca de 30 minutos, excitação psíquica, aumento da coragem e hilaridade. O uso contínuo pode levar à intoxicação grave, arritmias, morte por parada cardíaca, e sintomas como zumbido nos ouvidos, irritação ocular, visão dupla, espirros, tosse, vômitos, diarréia, lesões neurológicas e queda das condições intelectuais.

Conclusão

Considerando que vivemos em um tempo em que sofrer não faz mais sentido, somos um pouco incapazes de avaliar o sentido da dor. O sofrer vinha adquirir uma conotação positiva, sempre foi por meios culturais, integrando-a ou não a um sistema de significação, que os homens atribuíram sentido à dor, desenvolvendo diferentes ‘artes de sofrer’, que no período medieval já eram absurdas, imaginemos hoje com as drogas! No caso a tortura era garantia de salvação, naquele contexto simbólico, enquanto que com as drogas ocorre por meios de curiosidade humana, divertimento, “prazer mentiroso”, fuga da realidade e findando na destruição do próprio corpo.
No distanciamento entre o corpo e sua dor faz-se um exercício de expansão dos meios técnicos da exploração homem pelo homem. Forçando a tolerância do corpo, por meio de analgésicos, anestésicos, calmantes, estimulantes, fortificantes, enfim, drogas de um modo geral, em vez de modificar as condições de vida.
Confirmamos que o corpo sofre desde tempos antigos, mas atualmente tenta fugir mais do que nunca das dores do mundo, dos problemas do cotidiano e por conta disto tenta a todo custo o prazer que poderá levar o corpo ao óbito. O homem tem direito ao prazer, mas existem formas diferentes de senti-lo sem atentar contra a própria vida.

Referências Bibliográficas:
OLIEVENSTEIN, C., La Drogue. Paris: PUF, 1970.
PONTES, Cleto Brasileiro. A Droga Hoje. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1990.
RODRIGUES, J. C. Espírito e Matéria. In: O corpo na história. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1999.
MONDIN, Battista. O Homem, quem é ele? Elementos de Antropologia filosófica. São Paulo: Edições Paulinas, 1980.
MAUSS, Marcel. As técnicas corporais. In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: EPU, v.1, 1974.
LE BRETON, David. Adeus ao corpo: antropologia e sociedade. Campinas – SP: Papirus, 2003.